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Conflitos por problemas de comunicação em empresas familiares

Comunicação nas Empresas Familiares

Olá você que me lê! Espero que esteja muito bem e energizado/a, estamos para entrar no 4º. e último trimestre do ano e não dá mais para “embarrigar” nenhuma ação importante, pelo simples fato que teremos cada vez menos dias úteis daqui até a virada para 2025, digo que estamos “acelerando em direção a uma parede”, cada dia ela vai chegando mais perto.

Nessa 4ª. edição dessa sequência de textos, para a qual optamos por desenvolver o tema das Empresas Familiares, mais especificamente sobre as principais fontes de conflitos nelas. Vamos agora aos conflitos por questões ligadas à problemas de comunicação nas empresas familiares. Adoro, o tema da comunicação é fascinante por si só, em qualquer contexto de nossas vidas.

Antes de particularizar, vamos desenvolver um pouco o tema dos conflitos por problemas de comunicação em geral. Assim cito algumas afirmativas que me parecem fazer muito sentido:

“Se as pessoas à sua volta não o virem, ajoelhe-se e peça perdão, a falha é sua”

(Fiódor Dostoiévski)

“Comunicação é o que o outro entende” (Autor desconhecido)

“Decidir (e comunicar) o que não fazer é tão importante como o que fazer”

(Autor desconhecido)

Gosto das três citações pelo sentido pragmático que carregam, a primeira nos convoca a assumirmos o protagonismo dos nossos atos e não culpar as pessoas ao nosso redor. Atribuir culpa pode a outrem ser reconfortante no nosso íntimo, mas não resolve nada de prático. Então, se você não está sendo reconhecido, valorizado, entendido, ou ainda corretamente interpretado, mude o jogo.

A segunda citação remete a uma posição de humildade requerida do emissor no processo da comunicação, o mais comum é a gente escutar pessoas, sobretudo em cargos de poder, rotulando o receptor da comunicação como inábil, distraído, incapaz, descomprometido e ainda outros atributos negativos que o valham, e assim atribuindo ao receptor a culpa por uma comunicação que não aconteceu de forma desejada. As mais frequentes consequências colhidas nessas situações são os ruídos, os retrabalhos, as reclamações de todos os lados, os acidentes, os desperdícios de recursos, as frustrações, os custos extras, os atrasos, o sofrimento, o rompimento de relações, choro e ainda outros efeitos indesejáveis, a lista é longa.

Então, se a mensagem não foi entendida, reveja seus métodos, você mandou sinal de fumaça, experimente bater tambor; falou e não deu certo, agora escreva, desenhe, filme; mude a forma e os meios, adapte-se ao receptor se ele é importante para você. A comunicação não é o que você emitiu, é o que o outro entendeu – sempre.

A terceira citação provoca a gente para não deixar nada subentendido. Certifique-se que o essencial foi compreendido, e não é apenas perguntar “alguém tem dúvida?”. Muitas vezes a pessoa acha que o que ela entendeu foi o correto, e não foi. Ou, ainda pior, sobretudo em ambientes de assimetria de poder muito grande entre as pessoas, em ambientes autoritários, a parte receptora fica intimidada em fazer perguntas em meio a outros colegas de trabalho, ou membros da família, com medo de sua dúvida parecer uma distração, falta de compromisso ou despreparo, por alguma razão qualquer. No íntimo elas ficam torcendo para alguém salvar a sua pele e fazer a pergunta que ela não tem coragem de fazer.

Comunicação e cooperação

Quando tive que elaborar o TCC do meu curso de MBA, ainda no século passado, estudei os impactos sobre os resultados do trabalho em equipe provocados pela comunicação interpessoal deficiente. Busquei explicar como as equipes eram afetadas pela dificuldade das pessoas se entenderem na construção do consenso na hora fixar os objetivos, na priorização, no planejamento e na execução. Fui por esse lado da qualidade do processo de comunicação.

No entanto, quando fui desenvolver a Dissertação do curso de Mestrado, já nesse século, eu pretendi aprofundar a pesquisa da comunicação versus performance das equipes, mas quis o destino que eu conhecesse a Prof. Dra. Carmen Migueles, com quem fiz uma das disciplinas do curso, e ao procurá-la para ser minha orientadora, ela me disse, “olha minha área de pesquisa é a Cultura Organizacional e não as relações interpessoais” e após me ouvir falar dos meus interesses me disse ainda “quero te convidar a enxergar essa questão por outra ótica, às vezes o desempenho desejado não é alcançado, ou o consenso não é construído não porque as pessoas não se entendam, mas sim porque elas não se aceitam, uma não legitima a posição da outra, por questões tais como os valores da cultura, ou as relações de poder estabelecidas”.

De fato ainda há fatores de fundo que dificultam o processo de comunicação, como, questões mal resolvidas do passado, ou subordinações cujo parâmetro hierarquizante não foi legitimado pela cultura e nem pelas relações de poder. Não há chance do processo de comunicação de, por sí só superar essas barreiras. E ela me convenceu a desenvolver a pesquisa para minha Dissertação em torno dessa problemática “Impacto sobre o trabalho em equipe das relações de poder e cultura organizacional”, decisão essa que abriu um horizonte muito interessante para meu crescimento pessoal e profissional.

Trabalhando com as empresas familiares vejo que a maior parte das análises sobre os conflitos oriundos dos problemas de comunicação na verdade estão mal endereçadas. As causas a meu ver residem mais nas barreiras criadas pelas questões não resolvidas pela cultura familiar e organizacional (esse jeitão como fazemos as coisas por aqui), do que pelas falhas advindas dos entes clássicos do processo de comunicação: emissor, receptor, canal, mensagem etc.

Feita essa introdução, vamos particularizar agora.

Conflitos atribuídos a uma comunicação deficiente nas empresas familiares

Os conflitos relacionados a problemas de comunicação são comuns em empresas familiares e podem ter um impacto significativo no ambiente organizacional, no clima familiar e também nos resultados do negócio. Esses problemas geralmente surgem por vários motivos, sendo que em empresas familiares eles ganham uma camada extra de complexidade, pois os membros envolvidos compartilham relações de parentesco e laços afetivos.

Aqui estão alguns fatores que contribuem para conflitos de comunicação em empresas familiares:

1. Mistura de papéis familiares e empresariais

As fronteiras entre os papéis familiares e os profissionais podem ser confusas. O empresário/a pode vestir o boné da propriedade e/ou da gestão e ser o chefe no ambiente de trabalho, mas em casa ele/ela veste outro boné, o de família, e é o pai/mãe, marido, esposa, irmão/irmã e essa dualidade de papéis pode criar mal-entendidos ou expectativas não ditas. O que é conversado entre os casais na cama ou pela família no almoço de domingo pode ser interpretado de maneira muito diferente no escritório na segunda-feira, por exemplo.

2. Falta de clareza nos papéis e responsabilidades fluidas

Quando as funções, responsabilidades, níveis de autonomia e autoridades não são bem definidos, os membros da família podem assumir que todos entendem perfeitamente seus papéis ou obrigações, o que raramente é o caso. A ausência de uma estrutura clara, alicerçada por parâmetros de hierarquização prévia e devidamente validados, muitas vezes leva a confusões e frustrações, especialmente quando a comunicação informal se sobrepõe à formalidade necessária para conduzir negócios. Fazer a leitura correta do “funcionograma” parece ser o mais importante para se dar bem, inclusive porque o nível de favorabilidade de uma resposta fica pendente do tema e para quem a questão é endereçada.

3. Comunicação informal versus formal

Em muitas empresas familiares, as conversas acontecem de maneira muito informal. Isso pode ser positivo em alguns aspectos, criando um ambiente descontraído, mas pode se tornar um problema quando decisões importantes não são devidamente formalizadas, documentadas ou compartilhadas com todos os membros relevantes. A informalidade também pode gerar interpretações diferentes, uma vez que o tom e a linguagem podem variar dependendo do contexto (aliá alguém já disse isso, de que o contexto modifica a percepção do texto). Em alguns casos as pessoas se aproveitam dessa informalidade para descumprir decisões que não lhes convém de alguma forma, ou para as quais foi voto vencido nos debates que as antecederam.

4. Conflitos intergeracionais

Empresas familiares frequentemente envolvem várias gerações, e isso pode ser um terreno fértil para conflitos de comunicação. As gerações mais velhas podem preferir métodos de comunicação mais tradicionais, enquanto as gerações mais jovens tendem a ser mais diretas ou tecnológicas na forma como se comunicam. Diferenças de valores (os tais significados compartilhados), e na leitura das perspectivas sobre o futuro do negócio também podem criar um clima de tensões que se reflete na comunicação. Junte-se a isso uma condição muito comum, a primeira geração escolheu os sócios que teve, as seguintes terão que aprender a trabalhar com pessoas que não foram escolhidas por elas, como os primos, por exemplo. A aceitação não é automática, os perfis podem ser muito diferentes e em alguns casos até incompatíveis.

5. Emoções exacerbadas

A relação familiar, por sua própria natureza, traz consigo uma enorme carga emocional. Isso pode resultar em respostas emocionais exageradas a situações do dia a dia no trabalho. Discussões que começam com um problema de negócios podem rapidamente se transformar em questões pessoais, prejudicando a comunicação eficaz e a construção do consenso sobre temas vitais. Sérgio Buarque de Holanda (tio do Chico), em seu livro Raízes do Brasil, muito bem cunhou a expressão “brasileiro, um homem cordial”, no sentido de que temos a forte tendência de trazer para o coração, antes de passar pela razão. Agindo desta maneira aplicamos filtros emocionais fortes na nossa percepção dos fatos, dos comportamentos e alternativas de solução, perdendo qualidade na decisão e no compromisso com a implementação do que foi decidido.

6. Falta de feedback honesto

A dinâmica familiar pode criar um ambiente onde os membros hesitam em dar feedback honesto uns aos outros. Isso pode acontecer por medo de machucar os sentimentos de alguém, por querer evitar conflitos ou porque simplesmente não há uma cultura de feedback estruturado. Por outro lado, também por não ser estruturado, há também situações em que o feedback é excessivamente rude, não construtivo, se atendo apenas a pontos negativos da performance, não deixando espaço para que o recebedor do feedback compreenda o que ele faz bem, que deve ser preservado, daquilo que precisa ser melhorado. De igual maneira, tanto a omissão quanto o excesso de força levam a ressentimentos não expressos e a uma comunicação truncada.

A relação de líder e subordinado em uma empresa vem imbuída de cobrança, de feedback e também de elogios, os chamados “reforços positivos”, e conseguir administrar essa situação com alguém com quem se tem muita intimidade ou grau de parentesco pode ser muito difícil.

7. Hierarquia oculta, Autoridade ambígua e Falta de governança

Muitas vezes, em empresas familiares, a hierarquia não é claramente expressa, com membros mais jovens sendo desconsiderados em decisões estratégicas ou conversas importantes, mesmo que tenham posições formais dentro da empresa. A falta de uma governança estruturada, com ausência por exemplo de ritos de tomada de decisão bem estruturados e conhecidos por todos, pode agravar essa situação, deixando os canais de comunicação desalinhados.

8. Cultura de Centralização

Nesse “jeitão como fazemos as coisas por aqui”, a centralização das decisões em uma ou poucas pessoas (geralmente fundadores ou líderes mais velhos) pode inibir a comunicação eficiente entre os demais colaboradores. Quando apenas um membro da família tem a última palavra, os outros podem sentir que suas opiniões e preocupações não são levadas em consideração, desmotivando a comunicação e a colaboração.


Como mitigar esses conflitos?

  1. Estabelecer uma governança robusta: Implementar estruturas formais de governança, como conselhos consultivos com membros externos, matrizes de alçada, ritos de tomada de decisão claros, como reuniões periódicas, podem ajudar a diferenciar os papéis familiares e empresariais, dando voz a todos e evitando decisões unilaterais.
  2. Definir papéis e responsabilidades: Garantir que cada membro da família compreenda seu papel na empresa pode reduzir significativamente os conflitos. Um organograma bem definido e praticado, e uma descrição de cargos ajuda a formalizar as expectativas e evitar mal-entendidos.
  3. Cultura de feedback estruturado: Incentivar uma cultura onde o feedback é regular, honesto e construtivo pode eliminar ruídos de comunicação antes que eles cresçam. Isso também pode ser facilitado com mediação externa, se necessário.
  4. Separar o pessoal do profissional: Manter uma separação entre as discussões familiares e as conversas profissionais é essencial. Isso pode ser feito ao se delimitar diferentes fóruns, com agendas distintas, com tempo e espaços claros onde os temas de negócios ou os da família possam ser discutidos, criando um ambiente mais saudável para o diálogo.
  5. Treinamento em comunicação e gestão de conflitos: Oferecer treinamentos, ou mentorias e workshops sobre comunicação eficaz, inteligência emocional e gestão de conflitos para todos os membros da família, bem como avaliar os perfis das pessoas e compartilhar os resultados, podem ser ferramentas poderosas para melhorar a dinâmica interna, prevenir e resolver desavenças.
  6. Uso de ferramentas tecnológicas: Ferramentas de comunicação corporativa, como e-mails formais, grupos de rede social específicos por tema (Whatsapp, Telegram etc), aplicativos de gestão de tarefas e reuniões virtuais, podem ajudar a manter espaços para debate, para construção de consenso e um registro claro das decisões e evitar confusões.

Melhorar a comunicação em empresas familiares demanda um esforço conjunto e contínuo. Quando bem trabalhada, a comunicação pode se tornar uma vantagem competitiva, fortalecendo tanto o negócio quanto os laços familiares.

Se você gostou do tema, ou tem uma opinião diversa e quer compartilhá-la, me deixe conhecê-la nos comentários.

Nas próximas semanas seguiremos desenvolvendo o tema dos conflitos nas empresas familiares.

Inté!

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