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Conflitos por disputa de poder nas empresas familiares

Conflitos de Poder nas Empresas Familiares

Olá, leitores e leitoras!

Seguimos em torno do fascinante tema das Empresas Familiares. Nessa edição aprofundaremos no item relativo aos conflitos relativos à disputa de poder. Como fonte de conflitos, que por muitas vezes eclodem no ambiente de trabalho, mas têm origens na família, na história comum e nas questões mal resolvidas.

“O poder é afrodisíaco” (Henry Kissinger, 1923-2023)

Poder — este termo possui diversas definições; algumas são concepções que notadamente o vêem somente pelo aspecto negativo de dominação e de manipulação. Me apropriei aqui, preferencialmente, do significado de poder, elaborado por Steven Lukes, como sendo ‘a capacidade de produzir resultados’.

Mas há outros, ‘o poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma positividade e é o meio pelo qual conflitos de interesses são, afinal, resolvidos’. ‘O poder influencia quem consegue o quê, quando e como’.

Rigorosamente, o poder não existe; existem, sim, práticas ou relações de poder, o que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona […] o poder não é um objeto natural, uma coisa, é uma prática social.

Afetividade e Poder

Começando pela provocação do Kissinger, longevo e recém falecido diplomata e ex todo poderoso Secretário de Estado dos USA, acredito que a afetividade e o poder são inerentes a toda e qualquer relação interpessoal na família, no trabalho, na comunidade e na sociedade.

O tipo de afetividade existente num relacionamento profissional define sua principal característica: se é amistoso, cordial, de atração e simpatia recíprocas, ou se é de antipatia e antagonismo. No primeiro caso as pessoas gostam de ficar juntas, sentem prazer na companhia uma da outra, querem comunicar-se, conversar mais, trocar ideias, trabalhar junto e cooperar para o atingimento de objetivos comuns. Na segunda hipótese, sentem aversão pela presença do outro, evitam encontrar-se, reduzem a comunicação, não gostam de trabalhar junto e por consequência, não compartilham objetivos e estratégias e pouco cooperam entre sí.

Obviamente, um relacionamento de simpatia e atração parece facilitar o trabalho conjunto. Quando há antipatia e repulsa, os resultados do trabalho tendem a ficar prejudicados.

Como lidar com a dimensão afetiva do relacionamento interpessoal no trabalho? Como fazer as pessoas gostarem mais umas das outras, será que isso é um fator essencial? Como gerar sentimentos positivos de atração, simpatia, carinho conducentes à cooperação, à convivência satisfatória, ao trabalho produtivo em equipe?

Mesmo a ciência avançada e tecnologia de ponta ainda não respondem assertivamente a essas questões afetivas. O calcanhar-de-aquiles da administração científica moderna está em sua dificuldade de reconhecer os componentes não-racionais e lidar com eles.

O grupo idealizado, todo amor e harmonia, livre de conflitos é uma ficção literária. Todo grupo humano real expressa as contradições e os paradoxos da natureza humana. Contém amor e ódio, confiança e suspeição, entusiasmo e desânimo, dominação e submissão, lógica e intuição, egoísmo e altruísmo, lealdade e traição, razão e tolice.

As relações entre as pessoas percorrem essas dimensões alternativas, sem entretanto lograr uma posição fixa e definitiva em termos de normalidade.

Em nossa cultura ocidental, tecnológica, os valores materiais de posse e poder têm primazia sobre os valores humanistas do ser. As pessoas são vistas, consideradas e tratadas amiúde como objetos cuja ‘posse’ enriquece e amplia o poder do ‘proprietário’, superior, chefe, patrão.

Se a afetividade é complexa no relacionamento entre duas pessoas, a complexidade aumenta de forma exponencial quando se lida com a rede intrincada de relações afetivas de um grupo, e ainda mais se esse grupo é de familiares. Além das modalidades bipolares oscilantes, entram em jogo outras emoções e sentimentos que permeiam todo o contexto dinâmico do grupo. Emergem atrações, ciúmes, ressentimentos, inveja, hostilidade, manobras manipulatórias de chantagem emocional, sedução.

O poder entra nesse caldeirão como outra dimensão fundamental entre as pessoas. A distribuição de poder não se faz equitativamente nas relações interpessoais, embora a maioria das pessoas sonhe com essa paridade. No relacionamento humano, uma pessoa possui mais poder que a outra ou outras, em função do contexto, do princípio hierarquizante aceito pela cultura, das personalidades e dos meios utilizados para conquistar, manter e ampliar esse domínio.

Excluindo-se o poder legítimo ou autoridade, outorgado pela organização formal (o que muitas vezes parece ilegítimo ou se omite em uma empresa familiar), que deve ou deveria ser inquestionável, as outras formas de poder dependem mais de atributos de personalidade, de carisma, de conhecimento, de apoio e afeto, de competência interpessoal.

A percepção social de uma pessoa, como capaz de influenciar os outros atribui-lhe poder. ‘São os influenciados que conferem poder ao influenciador’, através da emaranhada teia de elementos cognitivos e emocionais do processo de percepção humana.

O poder de coerção e o de recompensa, em geral, estão associados ao poder legítimo ou autoridade. O ocupante desta posição tem o pleno direito de punir e/ou recompensar os outros no grupo por ações devidas ou indevidas, a seu critério.

Entretanto, ameaças de retirada de afeto, censuras, redução da atenção, afastamento e menor comunicação funcionam como poder de coerção nas relações humanas informais. Igualmente, as promessas de recompensa afetiva, verbais e não verbais, representadas por elogios, olhares, sorrisos, abraços, maior atenção e comunicação constituem exercício do poder de recompensa sem ligação com a autoridade formal.

As disputas de poder na empresa familiar

Disputas por poder em empresas familiares são bastante comuns e podem surgir de várias maneiras, dependendo da dinâmica familiar, das estruturas de governança existentes, e da fase de desenvolvimento em que a empresa se encontra. Muitas das vezes as crises advindas das disputas se fazem mais evidentes em momentos de escassez, quando vale a máxima “em casa que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”, muito embora a distribuição da fartura também possa ser o estopim.  Vou explicar abaixo alguns dos principais fatores que podem desencadear essas disputas:

a.    Conflitos de Geração
  • Transição de Liderança: Quando a liderança passa de uma geração para outra, é comum surgirem disputas. A geração mais jovem pode querer implementar mudanças, enquanto a geração mais velha pode preferir manter o status quo. Isso gera tensões sobre a direção da empresa.
  • Diferença de Visão: As novas gerações podem ter visões diferentes sobre a condução do negócio, focando em inovação e tecnologia, enquanto os mais velhos podem valorizar mais a tradição e a estabilidade e a mitigação de riscos.
b.   Falta de Planejamento Sucessório
  • Ambiguidade: Quando não há um plano de sucessão claro, pode haver ambiguidade sobre quem será o próximo líder. Isso cria um vácuo de poder, onde vários membros da família podem se sentir capacitados ou legitimados para assumir o controle.
  • Favoritismo: Sem um processo estruturado, a escolha do sucessor pode parecer arbitrária, levando a sentimentos de favoritismo e injustiça, o que acirra as disputas.
c.    Participação dos Membros da Família
  • Envolvimento Desigual: Nem todos os membros da família se envolvem igualmente nos negócios. Aqueles que dedicam mais tempo e esforço podem sentir que têm mais direito ao controle, enquanto outros podem reivindicar igualdade de participação simplesmente por serem parte da família.
  • Conflitos de Interesse: Em algumas situações, diferentes membros da família podem ter interesses que conflitam com os objetivos da empresa, levando a disputas sobre decisões estratégicas.
d.   Divisão de Propriedade
  • Herança: A maneira como a propriedade da empresa é dividida entre os herdeiros pode gerar conflitos, especialmente se não for vista como justa por todos os envolvidos.
  • Voto e Controle: Quem tem a maioria das ações ou controle sobre as decisões pode se tornar um ponto de tensão, com membros disputando por mais participação para influenciar as decisões da empresa.
e.    Influência Externa
  • Conselheiros e Sócios: Às vezes, conselheiros externos ou sócios não familiares podem ser usados como ferramentas nas disputas de poder, com diferentes membros da família tentando influenciá-los para ganhar vantagem.
  • Cônjuges e Familiares Distantes: A influência de cônjuges e outros familiares que não estão diretamente envolvidos nos negócios também pode ser uma fonte de disputa, com conselhos, pressões e/ou manipulações afetivas que podem complicar ainda mais as relações internas.
f.     Emoções e Relacionamentos
  • Histórico Familiar: Questões pessoais não resolvidas entre membros da família, que podem ter raízes em rivalidades antigas ou em questões emocionais, frequentemente transbordam para o ambiente de negócios.
  • Lealdade e Alianças: As alianças dentro da família, conhecidas ou veladas, podem se formar, com grupos que se opõem uns aos outros, exacerbando as disputas e tornando difícil a tomada de decisões consensuais.

O que fazer para prevenir ou mitigar as disputas

Entendido que essas disputas, se não gerenciadas, podem ser destrutivas para a empresa e para as relações familiares, vale investir em uma gestão cuidadosa, tendo foco em processos decisórios claros e a melhor comunicação possível, assim muitas dessas tensões podem ser mitigadas ou até evitadas.

Desenvolver uma cultura alicerçada no diálogo, na meritocracia, na transparência e na confiança é sem dúvida um caminho, a prática de alguns processos, como esses recomendados a seguir podem contribuir para consolidar esses valores:

  • Governança Corporativa: Estabelecer uma estrutura robusta de governança que inclua conselhos de família, comitês de sucessão, planejamento estratégico de médio e longo prazos e protocolos de tomada de decisão.
  • Planejamento Sucessório: Criar um plano de sucessão transparente e acordado por todos os membros relevantes da família.
  • Comunicação Aberta: Manter canais de comunicação abertos e promover diálogos regulares para resolver mal-entendidos, dar tratamento a conflitos deflagrados ou potenciais e evitar o acúmulo de ressentimentos.
  • Mediação: Considerar o uso de mediadores externos para ajudar a resolver disputas antes que elas se tornem irremediavelmente prejudiciais ao negócio.

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